Quando adquirimos uma nova peça de roupa, calçado ou acessórios de moda, a maior parte das pessoas têm preferência por encontrar os melhores preços e de seguir (consciente ou inconscientemente) algum tipo de tendência ou estilo.

No entanto, existem inúmeras questões interligadas à indústria da moda para as quais devemos estar atentos(as).Quais são os principais problemas? Quais são as soluções alternativas para o modelo atual? 

De acordo com a Comissão Europeia (2022), o consumo de têxteis na Europa tem o quarto maior impacto no ambiente e nas alterações climáticas, a seguir à alimentação, habitação e mobilidade. É o terceiro setor com maior impacto ao nível do uso de água e uso do solo e quinto em uso de matérias-primas primárias e emissões de gases de efeito estufa. 

A produção de matérias-primas virgens é responsável por uma parte significativa do impacto ambiental da indústria têxtil e indústria do vestuário (Parlamento Europeu, 2022). De acordo com o relatório Textile Exchange de 2021, a produção global de fibra duplicou de 58 milhões de toneladas desde o ano 2000.

Em Portugal, apenas 1% dos resíduos têxteis produzidos são encaminhados para reciclagem, segundo o Relatório Anual de Resíduos Urbanos 2020, da Agência Portuguesa do Ambiente (2021).

A Ellen Macarthur Foundation, com o relatório A new textiles economy: Redesigning fashion’s future, identifica que o atual modelo linear (extrair-produzir-descartar) é a principal causa para problemas ambientais, perda de valor económico e problemas sociais. Neste âmbito, a Platform for Accelerating the Circular Economy, destaca os seguintes aspetos: 

  • Utilização de recursos: 53 milhões de toneladas de roupas são produzidas anualmente. Mais de 97% da fibra consiste em recursos virgens e, na sua maioria, não renováveis (ex. matérias-primas para produzir fibras sintéticas, fertilizantes para cultivar fibras naturais, produtos químicos para tingir tecidos);
  • Perdas económicas: todos os anos, a indústria perde bilhões de dólares com roupas que mal são usadas, descartadas precocemente e não recicladas;
  • Alterações climáticas: As emissões globais da indústria de vestuário totalizaram 1,2 bilhão de toneladas de CO2 em 2015. Isso excede a pegada combinada de todos os voos internacionais e transporte marítimo;
  • Poluição: a produção têxtil não só tem impacto negativo a nível local – na saúde dos trabalhadores e nesses ecossistemas – como também a nível global, através das microfibras plásticas provenientes de têxteis como, por exemplo, o poliéster;
  • Impactos sociais: frequentemente, as pessoas que trabalham na indústria da moda têm péssimas condições de trabalho (horas excessivas de trabalho, salários baixos e ambientes de trabalho perigosos)

Uma boa solução: economia circular

Segundo a Ellen Macarthur Foundation, a economia circular “busca redefinir a noção de crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade”. Na economia circular os materiais, produtos e serviços são desenhados de forma a não gerar desperdício, possibilitando a sua recuperação, reutilização e regeneração.

Passamos a pensar em sistemas e de que forma eles podem interligar e cooperar. Se gostavas de saber mais sobre o assunto, recomendo a leitura da Resolução CM n.º190-A/2017,11-12, uma vez que contém um excelente enquadramento sobre a economia circular.

Cronologia de alguns avanços: Setor têxtil e economia circular

2015-2017: Em 2015, foi lançado pela Comissão Europeia, o Primeiro Plano de Ação para a Economia Circular (PAEC). Em Portugal, esteve em vigor o PAEC 2017-2020, com foco nos conceitos de reutilização, reparação e renovação de materiais e energia.

2018: A Diretiva (UE) 2018/851, publicada a 30 de maio de 2018, estabeleceu prazos obrigatórios para que a recolha seletiva de resíduos têxteis seja implementada já a partir de 1 de janeiro de 2025. “Sem prejuízo do disposto no artigo 10, n.  2 e 3, os Estados-Membros estabelecem a recolha seletiva (…) até 1 de janeiro de 2025, para os têxteis”.

2019: Foi publicado o Pacto Ecológico Europeu, um pacote de iniciativas estratégicas, com o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050. Pretende, entre outros, proporcionar produtos com maior durabilidade que possam ser reutilizados, reparados e reciclados (nomeadamente no setor têxtil).

2020: É lançado o Novo PAEC com uma nova estratégia da UE para os têxteis com reforço da competitividade e inovação no setor e impulsão na UE para a reutilização dos têxteis. Em paralelo, é lançada a Estratégia industrial Europeia que reforça medidas para a transição verde e digital, em 14 setores-chave, nomeadamente o têxtil. 

2022: A 30 de março de 2022, a Comissão Europeia adotou a estratégia da UE em prol da sustentabilidade e circularidade dos têxteis. A estratégia visa criar um setor mais ecológico,  mais competitivo e resiliente. A estratégia estabelece um conjunto de ações, nomeadamente “requisitos de conceção para os têxteis, a fim de os tornar mais duradouros e mais fáceis de reparar e reciclar”

Que ações podemos realizar individualmente, para contribuir para a criação de uma nova economia têxtil assente nos princípios da circularidade?

  • Menos é mais. Tira um tempo para fazer uma análise à tua casa! Sente: precisas mesmo de comprar ainda mais coisas? 
  • Cuida bem da tua roupa, segue as instruções de lavagem e secagem, prolongando a sua vida útil)
  • Sê autodidata e desafia-te a experimentar uma oficina de costura e aprender a fazer as tuas próprias transformações e reparações. Podes sempre remendar, reinventar/transformar as tuas roupas (acessórios) e dar-lhe novas funções (ex. transformar uma camisa velha numa tote bag)!
  • Cada vez mais existem novas ideias para aplicarmos a solução visible mending em roupas rasgadas/manchadas e que à partida já não teriam solução (se não te sentes capaz, procura um(a) costureiro(a). Ou utilizar até ao limite (ex. transforma em panos de cozinha)
  • Adere à moda em segunda mão, uma tendência cada vez mais forte em Portugal. Podes fazê-lo de várias formas: dar/receber, trocar, comprar/vender usado ou alugar!
  • Investe em marcas feitas em Portugal, com boas práticas ambientais e sociais
  • Tenta evitar todas as “modas” que surgem ao longo do ano e que rapidamente se tornam obsoletas. Opta por estilos intemporais, peças casuais que se adaptem bem a vários contextos e que espelhem a tua identidade. 
  • Ao comprar, evita roupa com muitos adereços (missangas, botões, fechos, velcros) – tudo isso torna o processo de reciclagem ainda mais difícil. Preserva as etiquetas, para que os seus materiais e instruções de lavagem continuem a ser identificados caso as roupas deixem de estar na tua posse.

Saber mais:

A mudança é feita por cada um de nós. Vamos a isto?

Filipa Gouveia